Ø As fases e faces de Machado de Assis: homem, obra e crítica
Em face da sua obra, toda conclusão do leitor é um risco, porque nela o senso do mistério que está no fundo da conduta se traduz por um desencanto aparentemente desapaixonado mas que abre a porta para os sentidos alternativos e transforma toda a noção em ambigüidade.
Antonio Candido
O Homem
Nascido
em 21 de junho de 1839, Joaquim Maria Machado de Assis era filho de um
brasileiro pintor de paredes e de uma açoriana que lavava roupas para fora. Ela
morreu quando Machado ainda era muito jovem, e, ao que consta, foi a madrasta,
Maria Inês que o ensinou as primeiras letras. Sua infância foi simples e dura,
e seus estudos foram realizados em escola pública. Provavelmente exerceu a
função de coroinha, o que lhe teria permitido algum contato com o idioma
francês e o latim, gramática e aritmética. Aprendeu francês nas poucas aulas às
quais assistiu na escola, e com uma família francesa que o ensinava a noite.
Machadinho, como era conhecido na infância, chegou a vender balas para ajudar
no orçamento doméstico.
O
début nas letras deu-se aos quinze anos, em 1855, quando publicou o poema
‘’Ela’’, na Marmota fluminense, por recomendação do editor Francisco de Paula
Brito. No ano seguinte, consegue o posto de auxiliar de tipografia, sob as
ordens do escritor e jornalista Manuel Antônio de Almeida, autor do então
recém-publicado Memórias de um sargento de milícias. Esse escritor, percebendo
o grande interesse que seu novo funcionário tinha pela leitura, fazia vista
grossa para o fato de Machado, às vezes, distrair-se do trabalho, para
absorver-se em seus amados livros.
Em
1858, Machado passa a trabalhar na tipografia Paula Brito e, após um ano, como
revisor e colaborar do Correio Mercantil. Dois anos depois, sensibilizado com a
morte prematura de Manuel Antônio de Almeida, vítima de um naufrágio do vapor
Hermes, escreve uma pequena homenagem ao antigo chefe, em uma de suas crônicas.
Em
1867, torna-se diretor do Diário Oficial, o que lhe assegura um ordenado fixo
razoável. Aos trinta anos, casa-se com a portuguesa Carolina Novaes Xavier, com
quem viverá até a morte desta, em 1904. Seu último romance, Memorial de Aires
(1908), por sinal, contém alguns elementos fortemente ligados à rotina do
casal. Trata-se de sincera homenagem à falecida esposa, à qual era muito
ligado.
Em
1873, além de colaborar intensamente em crônicas publicadas periodicamente,
traduzir e fazer resenhas teatrais, inicia sua longe e ininterrupta carreira em
funções públicas. Seu posto inicial foi o de primeiro oficial da secretaria de
Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Publicas. Cargo duplamente
oportuno, já que era profundo conhecedor e cronista da cidade.
Entre
1879 e 1879, passa alguns meses em Friburgo – RJ, em razão do agravamento de
doenças na visão e intestino. Ao retornar ao Rio de Janeiro, da início ao
romance célebre ainda em vida Memorias Póstumas de Brás Cubas, publicada em
folhetim entre março a dezembro de 1880. Na mesma época em que saiu a edição em
livro 1881, Machado prepara seu terceiro e talvez melhor conjunto de contos e
congêneres, Papeis Avulsos, encabeçado pela novela ‘’ O Alienista’’. Ao lado da
profissão burocrática, progrediam as atividades de escritor, e, com quarenta e
um anos de idade já conhecia o gosto da fama.
Foi
homem de vários êxitos. Paralelamente à ascensão na carreira pública – chegando
ao cargo de diretor de contabilidade do Ministério da Aviação, sobe a
presidência de Afonso Pena -, havia a face cultural. Da literatura seguiu em
direção ao estudo de lingas, filosofia, ciência e religião. Era também um
leitor disciplinado: ao morrer deixou uma biblioteca de aproximadamente 800
volumes - algo incomum naquela época, haja vista a dificuldade com que
determinados livros chegavam e circulavam ao pais.
Em
15 de dezembro de 1896, com 57 anos, ao lado de dezenas de outros intelectuais
de nosso Segundo Império, como Quintino Bocaaiúva e Artur Azevedo, Machado de
Assis inaugura a Academia Brasileira de Letras, recebendo título de patrono e
presidente. No ano seguinte, assiste á publicação do libelo de Silvio Romero,
Machado de Assis: Estudo Comparativo de Literatura Brasileira, em que esse
crítico – adepto ferrenho da Escola do Recife – procura desqualificar o mérito
do escritor, a partir de justificativos se deu os pseudocientíficas, embalado
na retorica positiva. Diz Silvio Romero: ‘’ Esse pequeno representante do
pensamento retorico e velho no Brasil é o mais pernicioso enganador que vai
pervertendo a mocidade. O autor de Brás Cubas, bolorento pastel literário,
assaz o conhecemos por suas obras, e ele será julgado’’. Neste último aspecto,
Romero acertou totalmente. A posteridade julgou Machado, ele elegendo-o o nosso
escritor maior.
No
ao de 1908, cercado por uma absoluta maioria de admiradores que o reconhecia
como o maior homem de nossas letras, Machado de Assis morre em 29 de setembro,
bastante debilitado fisicamente e após 4 anos de sofrida viuvez. Ao problema
crônico de visão somavam-se crises intestinais e ulcera na língua, provocada
pelos constantes ataques epiléticos. É o fim da vida: Machado, ateu, recusa a
extrema-unção, à hora da morte.
Totalizou
a composição de 9 romances, praticamente 200 contos, perto de 600 crônicas, 4
livros de poesia e dezenas de ensaios (entre estes notável Instinto de nacionalidade,
escrito aos 24 anos). Em sua obra incluem-se também a já mencionada crítica
teatral (Ideias sobre o teatro, Ideias vagas, O presente, O passado, e o futuro
da literatura, entre outras), bem como a tradução de poemas (por exemplo, ‘’ O
corvo’’ de Edgar Alan Poe), e de peças teatrais diversas, principalmente
francesas levada acabo quando era bastante jovem.
A Obra
Machado de Assis estreou como
romancista em 1872, com Ressurreição. Teve dois estágios bem marcados: o
romântico e o realista.
Há, em sua prosa, momentos
marcados por notáveis distinções em que algum romantismo e graça na descrição
de caracteres são substituídos pelo ceticismo, ora cínico, ora hipócrita, de
grandes vultos machadianos, como o defunto-autor Brás Cubas (Memorias Póstumas
de Brás Cubas); o casal de oportunistas, Palha e Sófia ( Quincas Borba); o
advogado possessivo e mimado Bento Santiago (Dom Casmurro); o narrador de olhar
irônico e sarcástico Conselheiro Aires, dos últimos romances, Esaú e Jacó e
Memorial de Aires.
Além do ciúme e do egoísmo, a
loucura é ouro tema recorrente em Machado. Serve de mote e núcleo estrutural a
várias narrativas, como O Alienista, Dom Casmurro e Elogio da Vaidade.
Na denominada primeira fase,
constata-se uma maior tendência ao panorâmico, aos arrufos e intrigas
domesticas ou sociais que, de uma forma ou de outra, serão resolvidas, ainda
que de modo trágico. Na segunda fase, entretanto, seus narradores exibem-nos
personagens gradativamente mais complexos e frios. Fortemente apegados ao
status social, refletem ou provocam serias turbulências em seu campo de
relações, obcecados que estão pela conveniência social e a tranquilidade
financeira.